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Artigo: A prova, o concurso e o aprendizado

18/04/2017

O Promotor de Justiça do MPSC e professor da Escola do Ministério Público, Henrique da Rosa Ziesemer, escreveu um artigo sobre algumas de suas experiências em provas de concurso, seja como candidato ou como professor, analisando de que forma as bancas examinadoras raciocinam e fazem para minar candidatos não tão experientes. Confira: 

 

A prova, o concurso e o aprendizado

 

Não, isto não é uma sessão de autoajuda. É apenas um compartilhamento de experiência para que vocês possam se colocar no lugar de alguém que já passou por tudo isso.

Eu fiz sete concursos para a carreira do Ministério Público. Minha vida de concurseiro começou no ano de 2000 e terminou em 2004. Foram quatro anos de dedicação, muita cabeçada na parede, e uma alta dose de (in) compreensão da família. Na minha época ainda não havia cursos online, estavam começando, e o grande Rogério Sanches ainda não tinha o alcance que tem hoje (acho que também estava no começo). Tivesse tudo isso, talvez tivesse sido mais fácil.

A razão de dizer tudo isso é tentar passar um pouco da experiência de várias provas de concurso, como candidato e também como professor. De que forma as bancas examinadoras raciocinam e fazem para minar candidatos não tão experientes.

Pois então. Inscrevi-me no concurso de ingresso na carreira do Ministério Público de Santa Catarina, meu estado natal, em 2003. Estudei com afinco e após uma bem sucedida prova preambular, fui aprovado e algum tempo depois, fui encarar a prova discursiva de Direito Penal e Processo Penal, no caso de Santa Catarina, uma peça técnica de Promotor.  A tese pedia uma alegação final. Após a instrução do feito, a prova narrava (dentre outros crimes) um incêndio de grandes proporções (Art. 250 do CP). O candidato lia aquilo e não tinha como enxergar algo diferente. O fogo se alastrou, colocou em perigo a coletividade, atingiu patrimônio de terceiros, do Estado, enfim, era mesmo um incêndio. Talvez por inexperiência ou despreparo, deixei de observar pontos essenciais da prova.

Como peça técnica, a prova, após a narrativa da instrução criminal, apresentava um monte de documentos nominados, que serviriam para justificar esta ou aquela medida, ou este ou aquele crime, e os pedidos finais. Havia cartas precatórias, depoimentos, certidões, exames grafotécnicos, e um monte de outras coisas. Ocorre que, quando uma prova técnica apresenta ao candidato um rol de documentos, o examinador deseja que o candidato conheça os documentos elencados, mas também que conheça os que não estão elencados, mas deveriam estar. Vale dizer, no caso da minha prova, o rol de documentos era OMISSO em relação ao laudo do Art. 173 do Código de Processo Penal.

Sempre digo que a vida em uma sala de audiências se resolve diferente de uma prova de concurso. Nesta, o examinador quer saber se o candidato conhece os pontos do edital, e os sabe aplicar ao que ele está pedindo. De fato, quando lhe é colocado um rol de documentos numa prova, os documentos que não estão ali são igualmente importantes. O incêndio, que era tão claro e bem descrito, viraria dano qualificado (Art. 163, p. único, II do CP), e a minha aprovação, que eu entendia que seria ali, ficou para o próximo concurso.

Pois bem. Isso é uma pequena amostra do que pode ocorrer com candidatos que não controlam suas emoções como deveriam. Em muitos casos, as provas de concurso jogam com situações como esta. Há uma estreita relação entre a parte do direito material e processual. Isso significa dizer que os crimes que o candidato vai capitular na prova podem variar, ou mesmo haver desclassificação, dependendo do que for encontrado na prova, nos termos do Art. 155 usque 184, do Código de Processo Penal.

Deve o candidato ficar atento, por exemplo, a uma capitulação ou desclassificação envolvendo o sempre atual crime de furto. Suponha-se a narrativa de um furto cometido mediante rompimento de obstáculo, ou escalada. O candidato identifica o tipo penal, e agora deve capitular corretamente para o oferecimento da denúncia, ou alegação final. Ocorre que a prova não menciona a perícia do Art. 171 do Código de Processo Penal.

O candidato fica tranquilo, pois conhece o artigo em questão e verifica que há prova testemunhal sobre o fato, capitulando, portanto, no furto qualificado. O que não se tocou o candidato foi da entonação dada pela prova à questão da testemunha e da ausência do laudo. Dependendo da forma com que a questão da ausência do laudo for postada, o entendimento do STJ resolve o caso:

1. Da leitura dos artigos 158 e 167 do Código de Processo Penal, extrai-se que a perícia somente é essencial para comprovar a materialidade delitiva quando o crime deixa vestígios, admitindo-se a prova testemunhal quando estes não estiverem mais presentes. 2. Por sua vez, o artigo 171 da Lei Penal Adjetiva confirma a necessidade de realização de perícia para a comprovação da qualificadora da escalada, que pode ser substituída por outras provas apenas quando os vestígios desaparecerem, não existirem, ou o exame técnico não for passível de implementação. 3. Na espécie, as instâncias de origem não apresentaram fundamentos idôneos para justificar a ausência do exame pericial, que inclusive foi solicitado pela autoridade policial, limitando-se a admitir a prova testemunhal para caracterizar a qualificadora da escalada, compreensão que não se coaduna com os preceitos legais que regem a matéria, bem como com a jurisprudência deste Sodalício acerca do tema. (HC 330156/SC. Relator. Min. Jorge Mussi. Julgado em 3.11.2015. Quinta Turma) grifo não original.

Ou ainda:

1. “Mostra-se necessária a realização do exame técnico-científico para qualificação do crime ou mesmo para sua tipificação, pois o exame de corpo de delito direto é imprescindível nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas ser suprido pela prova testemunhal quando não puderem ser mais colhidos. Logo, se era possível a realização da perícia, e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes (art. 159 do CPP), a prova testemunhal e o exame indireto não suprem a sua ausência” (AgRg no REsp 1.441.135/MT, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24/9/2014).  No presente caso, não há referência alguma à impossibilidade de realização da perícia técnica. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 2015/0107314-2. Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA. Quinta Turma. Julgado em 20.10.2015).

Por fim, situação peculiar também e sempre recorrente em provas de concurso é a questão do furto com emprego de chave falsa. Apesar de o candidato conhecer o conceito de chave falsa e seu emprego, há uma utilização muito sutil pelas bancas de concurso sobre o tema. A chave falsa é aquela que faz as vezes de chave, ou seja, aquele instrumento que, quando utilizado, destrava a tranca e abre a porta, sem dano. Caso haja algum dano na fechadura, o crime torna ao furto mediante rompimento de obstáculo, necessitando do exame pericial.

Mais uma vez o entendimento do STJ:

1. O emprego de chave falsa pode, a depender da hipótese, não deixar vestígios, como, por exemplo, quando se emprega grampo, arame ou chave  de feitio especial para a abertura de fechaduras, sem dano ou arrombamento,  de  modo  que,  nesses  casos, é dispensável o exame pericial para a caracterização da qualificadora do crime de furto […] AgRg no AREsp 886475/SC. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ. Sexta Turma. Julgado em 13/09/2016.

O que se pretende, com esta exposição, não é discorrer sobre conhecimento jurídico, mas sim tentar demonstrar de que forma bancas de concurso induzem respostas do candidato, para um lado, ou para o outro. Baseado em experiência pessoal prática, que me custou um ano de vida, recomendo ao concurseiro, não só o conhecimento do texto legal, mas uma boa passada no entendimento hermenêutico feito pelos Tribunais. Em muitas oportunidades as questões trabalham esta deficiência, de forma sutil e velada, o que pode ser aprimorado pelo candidato.

Então, sobre o título do artigo: a prova? O Art. 173 do CPP. O concurso? MPSC 2003. O aprendizado? Nunca subestimar uma prova de concurso. Abraços e até a próxima!

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Sobre o autor


Henrique da Rosa Ziesemer

Possui graduação em Direito e mestrado em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Especialista em Direito Processual Penal pela Univali (2008), e Direito Administrativo pela Cesusc (2004). Atualmente é doutorando em Ciência Jurídica. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Santa Catarina desde 2004, e professor da Escola do Ministério Público de Santa Catarina e da Magistratura.

Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal. Coordenou, de 2013 a 2015, a campanha "O que você tem a ver com a corrupção?". Membro da comissão da CONAMP de reforma e elaboração do novo Código de Processo Penal.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6913389978064557

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