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Crônica: A Terra é verde

16/06/2020

Nesta crônica, o professor Paulo Antonio Locatelli faz uma reflexão sobre como a cultura e o comportamento humano ressignificaram a cor verde ao longo dos anos e quais os impactos desses preceitos na sociedade. Confira:

 


 

A Terra é verde

 

Ainda tem gente que sustenta que a Terra é plana. Contudo, A sua forma redonda e azulada é inconteste quando vista do espaço. Sob o ponto de vista de quem vive aqui na sua epiderme, como um Pequeno Príncipe em pé no pequeno asteróide B-612, a linha do horizonte nos tranqüiliza sobre a sua forma esférica. Porém, vista aqui de baixo, a Terra é verde.

O verde da Terra constitui-se no motivo pelo qual as forças policiais e os exércitos substituíram os uniformes militares que antes eram elaborados com tecidos em tons vibrantes, de acordo com as cores de cada país, para a clássica camuflagem verde, dada a sua adequação para combates, em benefício da integridade dos soltados em suas missões.

Ao longo do tempo o verde sempre se impôs sobre as demais cores na linha de alcance da visão do ser humano. Não é à toa que algumas teorias afirmam que o tom esverdeado é a cor que melhor enxergamos, em razão do nosso passado como caçadores-coletores, que nos forçava a distinguir o verde para sobreviver da caça ou não ser caçado.

Talvez daqui a algumas centenas de anos, a cor predominante a ser visualizada passe a ser o cinza,  por conta do atual foco do olhar do homo sapiens em localizar vagas de estacionamento. A palavra “verde” já surgiu como uma cor. Do latim virides, em virtude da observação de algo que ainda não amadureceu.

Quem não jogou um verde para colher maduro, buscando a partir de insinuações obter informações fidedignas. Certa feita, o ouro já foi verde. A erva mate já  foi chamada de ouro verde pelo quanto rendia a sua exploração. Mas o verde também pode ser deserto, representado no solo estéril deixado pelo plantio cartesiano de pinos que aniquila qualquer vida sob as suas folhas, agindo como uma lápide no solo, sepultando-o.

Mais do que uma simples junção do azul e do amarelo, o verde é um estilo de vida. Dizem que o verde é esperança. Verde é a cor da fertilidade. Para os egípcios, a cor da pele do Deus Osíris é verde, pois representa o renascimento diante de cada cheia do rio Nilo. Verde também representa sorte nas quatro folhas do trevo. Verde é saúde e transmite segurança e tranqüilidade.

Faz bem ao corpo e ao espírito dispensar um tempo junto a natureza. O verde é puro, refrescante, natural, limpo, renovável. A maioria das variantes do símbolo da coleta seletiva utilizadas têm todas as setas na cor verde dobrando sobre si mesmas, produzindo uma fita de Möbius com três meias reviravoltas.

A resiliência ressurge em tons verdes. A sustentabilidade é verde. O verde valoriza à tudo e a todos. É só ver o valor que agrega aos imóveis quando ofertados com espaços verdejantes ou próximos às áreas verdes.O selo verde, a origem orgânica, o feito a mão ou de forma artesanal, mexe com nosso subconsciente por uma razão muito simples, nos remete às nossas origens. À mãe terra e a avó querida.

A neuroantropologia estuda a interação do cérebro com a cultura e o comportamento humano. Ao que tudo indica, aproveitando-se da nossa vulnerabilidade cognitiva, várias empresas aderem a sua marca o prefixo ECO ou BIO, acrescentando uma logo ou rótulo verde, para subliminarmente ou explicitamente, atingir uma melhor comercialização dos seus produtos e serviços.

Basta ver o empenho das agências de publicidade em associar a marca ou o produto aos tons verdes do mercado com o aval das certificadoras de plantão, muitas vezes caracterizando a prática desleal também conhecida como Greenwashing.

Em muitos países, o verde pode ter conotações negativas. Na Europa pode ser associado com a inveja, e na Idade Média foi identificado à bruxaria e veneno. O verde é reproduzido na cor de certos demônios das culturas nórdicas, refletindo um aspecto não humano. O retrato de seres desconhecidos se amparava no verde. Lembra da cor dos extraterrestres nos filmes B? Verde.

Verde de raiva. Verde de fome. Verde de inveja. A grama do vizinho é mais verde. Na idade média, ter o jardim verde era sinal de prosperidade. Quem se dava ao luxo de manter uma grande área sem produtividade e bem cuidada era visto como próspero.

O verde é a cor símbolo da natureza e da amizade. Já reparam que todas as placas de trânsito com fundo verde são altruístas, alertando ou auxiliando a encontrar o destino correto. Sinais de trânsito verdes são sempre amigáveis e não proíbem nada. O sinal verde liberta e obriga a seguir em frente. O verde impulsiona.

A banalização do o uso dos tons de verde preocupa. Tudo está ficando verde até o que não é. Todos querem surfar na onda verde. O tema é por demais importante, mas temos muita clorofila utilizada de forma falaciosa é irresponsável.

Por certo, a ecologização do direito tornou as leis mais verdes. A nossa própria Constituição da República levou o verde da bandeira para o seu interior, ao elencar o meio ambiente como um direito fundamental, dever de todos, estendendo-o não apenas para as presentes gerações mas para as que estão por vir. Por isso, mais do que herdar todo o verde do Planeta de nossos antepassados, pegamos emprestado de nossos filhos.

A essência da sustentabilidade é pensar e agir em tons verdes. Como uma fotossíntese, devemos inspirar informação e conhecimento e exalar ações e exemplos voltados à sustentabilidade. Nossos atos, como em um efeito borboleta, transcendem as fronteiras da nossa casa, cidade ou região. A gravidade nos mantém com os pés cravados em alguma pequena faixa desse Planeta verde, mas estamos todos conectados, não apenas digitalmente.

O verde simboliza todas as coisas boas, novas, justas, saudáveis, sustentáveis, biodegradáveis, ecológicas, puras e ingênuas. Verde também é usado como o antônimo de maduro. Preferível a eterna juventude, sentindo-se sempre cru, um rascunho de livre-arbítrio, que precisa sempre ser retocado pelo lápis do destino ou pela caneta da experiência, sem cercas verdes bloqueando o conhecimento.

Inspire harmonia e exale felicidade, como se fosse um organismo fotossintetizante que converte a energia do sol promovendo o principal processo de alteração de energia na biosfera.

A transformação do comportamento humano, assim como a fotossíntese, são essenciais para a manutenção da vida na Terra. A Terra é verde!

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Sobre o autor


Paulo Antonio Locatelli

Bacharel e Mestre em Ciências Jurídicas pela UNIVALI, com dupla titulação com a Universidade de Alicante - IUACA/Espanha. Especialista em Direito Processual Civil e em Direito Público, ambas pela UNOCHAPECÓ. Procurador de Justiça do MPSC, integrante do Órgão Especial do Egrégio Colégio de Procuradores de Justiça do MPSC e coordenador-adjunto da coordenadoria de recursos criminais.

Diretor e Professor da Escola do Ministério Público de Santa Catarina. Membro do Conselho Fiscal da ABRAMPA e ex-Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MPSC. Exerceu a titularidade das Promotorias de Justiça com atribuição para atuação no Meio Ambiente em Chapecó, Itajaí e Florianópolis.

Instagram: plocatelli70

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